21 janeiro, 2009

Oração do Revmo. Bispo V. Gene Robinson, Bispo Episcopal de New Hampshire, feita na abertura da festa da posse do Presidente Barac Hussein Obama


Uma oração pela Nação e pelo presidente norte-americano, Barack Obama.

Bemvindos a Washington! A alegria já vai começar. Mas antes, por favor, unam-se a mim, fazendo uma pausa, para pedirmos a bênção de Deus sobre nossa nação e sobre nosso próximo presidente.

Ó Deus, de nossos muitos modos de entendimento, pedimos-te...

...que nos abençoes com lágrimas – por um mundo em que mais de um bilhão de pessoas subsiste com menos de um dólar por dia; em que jovens mulheres de muitas terras são espancadas e estupradas, por falta de educação; em que milhares morrem diariamente por causa da desnutrição, malária e AIDS.

... que nos abençoes com ira – pela discriminação, aqui e no exterior, contra os refugiados e imigrantes, mulheres, negros e mestiços, gays, lésbicas, bissexuais e pessoas transexuais.

... que nos abençoes com desconforto – por causa das respostas fáceis, simplistas, que temos preferido ouvir de nossos políticos, em vez da verdade acerca de nós mesmos e do mundo que precisamos enfrentar se havermos de nos dispor aos desafios do futuro.

... que nos abençoes com paciência – e com o conhecimento de que nada daquilo que nos aflige será resolvido rapidamente e a compreensão de que nosso novo presidente é um ser humano, não um messias.

... que nos abençoes com humildade – abertos à compreensão de que nossas próprias necessidades precisam ser sempre consideradas no mesmo nível das necessidades do mundo.

... que nos abençoes com a libertação da mera tolerância – substituindo-a pelo respeito genuíno e um caloroso acolhimento de nossas diferenças, com a compreensão de que em nossa diversidade somos mais fortes.

... que nos abençoes com compaixão e generosidade – lembrando que o Deus de cada religião nos julga pelo modo como cuidamos dos mais vulneráveis na comunidade humana, seja em nossa cidade ou em todo o mundo.

E Deus, damos-te graças por teu filho Barack, quando ele assume a tarefa de Presidente dos Estados Unidos.

Dá-lhe sabedoria, para além da comum à sua idade.

Inspira-o com o estilo da liderança reconciliadora de Lincoln, com a capacidade do Presidente Kennedy de arregimentação de nossos melhores esforços e com o sonho do Dr. King de uma nação para TODO o povo.

Dá-lhe um coração tranquilo, pois a nau de nosso Estado precisa de um capitão firme, calmo, em tempos como estes.

Dá-lhe palavras animadoras, pois precisamos ser inspirados e motivados para fazermos os sacrifícios pessoais e comuns necessários ao enfrentamento dos desafios adiante de nós.

Torna-o alheio às cores, lembrando-o de suas próprias palavras de que, sob sua liderança, não haveria estados desta ou daquela cor, somente os Estados Unidos.

Ajuda-o a lembrar de sua própria opressão como minoria. Que a partir desta experiência de discriminação ele procure mudar as vidas daqueles que ainda são vítimas dela.

Dá-lhe forças para que separe tempo para sua família e tempo privado, ajudando-o a se lembrar de que ainda que seja presidente, um pai tem apenas um rápido proveito da infância de suas filhas.

E por favor, ó Deus, mantêm-no a salvo. Sabemos que exigimos demasiado de nossos presidentes e estamos pedindo ainda muito mais deste! Sabemos o risco que ele e sua esposa estão correndo por causa de todos nós. Imploramos que tu, ó bondoso e grande Deus, o guardes a salvo. Guarda-o na palma de tua mão, para que ele desempenhe a tarefa que o chamamos a cumprir. Que ele encontre alegria nesta impossível vocação, e que ao final nos leve como nação a um lugar de integridade, prosperidade e paz.

Amém.

_____________________________________________________________

Barack Obama tou posse como o 44º presidente dos Estados Unidos da América no dia 20 de janeiro de 2009. A oração acima foi feita na abertura da festa da posse, domingo, dia 18 de janeiro, em frente ao Memorial Lincoln, em Washington

19 janeiro, 2009

A Pipa e a Flor (Rubem Alves)


Era uma vez uma pipa.

O menino que a fez estava alegre e imaginou que a pipa também estaria. Por isso fez nela uma cara risonha, colando tiras de papel de seda vermelho: dois olhos, um nariz, uma boca...
Ô pipa boa: levinha, travessa, subia alto...
Gostava de brincar com o perigo, vivia zombando dos fios e dos galhos das árvores.
- “Vocês não me pegam, vocês não me pegam...”
E enquanto ria sacudia o rabo em desafio.
Chegou até a rasgar o papel, num galho que foi mais rápido, mas o menino consertou, colando um remendo da mesma cor.

Mas aconteceu que num dia, ela estava começando a subir, correndo de um lado para o outro no vento, olhou para baixo e viu, lá num quintal, uma flor. Ela já havia visto muitas flores. Só que desta vez os seus olhos e os olhos da flor se encontraram, e ela sentiu uma coisa estranha. Não, não era a beleza da flor. Já vira outras, mais belas. Eram os olhos...
Quem não entende pensa que todos os olhos são parecidos, só diferentes na cor. Mas não é assim. Há olhos que agradam, acariciam a gente como se fossem mãos. Outros dão medo, ameaçam, acusam, quando a gente se percebe encarados por eles, dá um arrepio ruim elo corpo. Tem também os olhos que colam, hipnotizam, enfeitiçam...

Ah! Você não sabe o que é enfeitiçar?!
Enfeitiçar é virar a gente pelo avesso: as coisas boas ficam escondidas, não têm permissão para aparecer; e as coisas ruins começam a sair. Todo mundo é uma mistura de coisas boas e ruins; às vezes a gente está sorrindo, às vezes a gente está de cara feia. Mas o enfeitiçado fica sendo uma coisa só...

Pois é, o enfeitiçado não pode mais fazer o que ele quer, fica esquecido de quem ele era...
A pipa ficou enfeitiçada. Não mais queria ser pipa. Só queria ser uma coisa: fazer o que a florzinha quisesse. Ah! Ela era tão maravilhosa! Que felicidade se pudesse ficar de mãos dadas com ela, pelo resto dos seus dias...

E assim, resolver mudar de dono. Aproveitando-se de um vento forte, deu um puxão repentino na linha, ela arrebentou e a pipa foi cair, devagarzinho, ao lado da flor.
E deu a sua linha para ela segurar. Ela segurou forte.
Agora, sua linha nas mãos da flor, a pipa pensou que voar seria muito mais gostoso. Lá de cima conversaria com ela, e ao voltar lhe contaria estórias para que ela dormisse. E ela pediu:
- “Florzinha, me solta...” E a florzinha soltou.

A pipa subiu bem alto e seu coração bateu feliz. Quando se está lá no alto é bom saber que há alguém esperando, lá embaixo.
Mas a flor, aqui de baixo, percebeu que estava ficando triste. Não, não é que estivesse triste. Estava ficando com raiva. Que injustiça que a pipa pudesse voar tão alto, e ela tivesse de ficar plantada no não. E teve inveja da pipa.
Tinha raiva ao ver a felicidade da pipa, longe dela... Tinha raiva quando via as pipas lá em cima, tagarelando entre si. E ela flor, sozinha, deixada de fora.
- “Se a pipa me amasse de verdade não poderia estar feliz lá em cima, longe de mim. Ficaria o tempo todo aqui comigo...”
E à inveja juntou-se o ciúme.
Inveja é ficar infeliz vendo as coisas bonitas e boas que os outros têm, e nós não. Ciúme é a dor que dá quando a gente imagina a felicidade do outro, sem que a gente esteja com ele.
E a flor começou a ficar malvada. Ficava emburrada quando a pipa chegava. Exigia explicações de tudo. E a pipa começou a ter medo de ficar feliz, pois sabia que isto faria a flor sofrer.
E a flor aos poucos foi encurtando a linha. A pipa não podia mais voar.
Via ali do baixinho, de sobre o quintal (esta essa toda a distância que a flor lhe permitia voar) as pipas lá em cima... E sua boca foi ficando triste. E percebeu que já não gostava tanto da flor, como no início...

Essa história não terminou. Está acontecendo bem agora, em algum lugar... E há três jeitos de escrever o seu fim. Você é que vai escolher.

Primeiro: A pipa ficou tão triste que resolveu nunca mais voar.
- “Não vou te incomodar com os meus risos, Flor, mas também não vou te dar a alegria do meu sorriso”.
E assim ficou amarrada junto à flor, mas mais longe dela do que nunca, porque o seu coração estava em sonhos de vôos e nos risos de outros tempos.

Segundo: A flor, na verdade, era uma borboleta que uma bruxa má havia enfeitiçado e condenado a ficar fincada no chão. O feitiço só se quebraria no dia em que ela fosse capaz de dizer não à sua inveja e ao seu ciúme, e se sentisse feliz com a felicidade dos outros. E aconteceu que um dia, vendo a pipa voar, ela se esqueceu de si mesma por um instante e ficou feliz ao ver a felicidade da pipa. Quando isso aconteceu, o feitiço se quebrou, e ela voou, agora como borboleta, para o alto, e os dois, pipa e borboleta, puderam brincar juntos...

Terceiro: a pipa percebeu que havia mais alegria na liberdade de antigamente que nos abraços da flor. Porque aqueles eram abraços que amarravam. E assim, num dia de grande ventania, e se valendo de uma distração da flor, arrebentou a linha, e foi em busca de uma outra mão que ficasse feliz vendo-a voar nas alturas.